domingo, 12 de dezembro de 2010

Claro...

... sinal dos tempos modernos sou eu. Português, engenheiro, residindo em Luanda, clandestino. Acabei de atravessar pelas complicadas intrigas e papeladas do sistema de imigração Angolano, neste momento qual cidadão do mudo escrevo o meu blog a partir do lounge do aeroporto enquanto aguardo pelo voo que me faça regressar a casa. Regresso que julgava mais complicado nesta fase, foi simples, lento e sem dor, já me vou. Espera-me outra fase, onde a vou encontrar, seis meses depois, com tantas coisas que arderam na nossa relação, tantos indagares de valerá a pena, é justo que valha a pena, afinal sou eu que decido, ou melhor é o meu instinto que vai decidir se um abraço, se apenas um olá, se a deveria fazer sofrer como me fez a mim, ou se simplesmente sou altruísta o suficiente para deixar isto para trás e apenas vislumbrar o que de bom sempre vislumbro, a fé de que seja justa e equilibrada a vida, que me traga o amor e a paixão que sempre desejo, que me permita amar e apaixonar-me como sempre tentei fazer. Não surgem isentas de duvidas estas palavras, carregadas de incerteza eu ponho nelas a esperança que consigo e gostaria de sorver delas a esperança que me conseguem dar. Viajo de regresso para a minha casa, que sempre foi onde tu estás, regresso como quem regressa passado muito tempo a sua casa, da qual não teve notícias, espero encontra-la livre, arejada, solta de fantasmas e esqueletos. Haverei de descobrir.

VOU PARA CASA, vou para casa e o meu coração rebenta de alegria.

sábado, 27 de novembro de 2010

Lá fora...

... uma chuva grossa cai esporadicamente. Em África chove grosso, a água cai e molha a terra vermelha, a areia amarela de ouro das praias e liberta um cheiro fresco de vida. Não tanto como em Portugal que a terra liberta um cheiro bom mas suave, um cheiro de terra, mas não a mesma pujança, não o mesmo sentimento. Aqui sente-se como se ela fosse renovar toda a criação, que vem, e de facto o faz, lavar as ruas e as terras. É algo fora de série que me deixa espantado como as águas arrastam tudo o que apanham e acumulam o lixo e a terra nas esquinas mais inesperadas da cidade. Sorrio quando a oiço porque por momentos me faz lembra de onde venho e para onde quero regressar, me faz esquecer do eterno verão que por aqui sempre existe, quer seja de facto verão quer seja inverno, que não existe, apenas 25 graus em vez de 35. Vagamente regresso aos dias em que lia   Lobo Antunes e ansiava ver o planalto do Huambo, de encontrar o rio onde os crocodilos mataram os enviados do estado novo um a um, de perceber onde estavam as cubatas e os sobas e os linguajares do kibundo. Ainda não houve tempo para o planalto do Huambo, e para os crocodilos já os procurei mas demasiado perto da cidade para ainda haver em quantidade suficiente para os ver. Mas haverá ainda, se tudo correr bem, uns anos pela frente, talvez ainda se me entranhe na pele este pais e eu consiga ver muito mais do que a miséria que por aqui corre, e talvez um dia eu diga, sentado no café com os outros idosos de circunstância que por ali estão, "quem me dera voltar para Angola". Digo talvez porque aqui muitas batalhas, muitas dores de saudade e de solidão, e talvez de Angola apenas reste isso, o rancor de uma relação que nos levou tudo, da separação dos que contam. Fazemos coisas impressionantes, todos os dias corremos contra um mar de contrariedades, de faltas desesperantes da peça mais pequena que não existe aqui e sem a qual a máquina não pode trabalhar. E eu engulo em seco, guardo o berro dentro de mim bem guardado, olho para a parede e retomo tranquilamente o meu trabalho enquanto desejo que um dia de chuva se torne em dias de chuva e que a chuva grossa lave todos os meus problemas, todos os problemas deste pais. Gostava de cá regressar quando de facto liberdade, quando de facto evolução outra que não evolução de betão importada.

domingo, 21 de novembro de 2010

Fugia...

...contigo para a china, mesmo que não quisesses ou gostasses, mesmo que por um segundo eu e tu juntos só por estar e nunca mais perto. Fugia contigo para a China apenas pela excitação de o fazer, pelo pontapé dado na dura realidade de todo o dia, toda a semana, todo o mês, todo o ano. E era simples embalar uma roupa, juntar um dinheiro, comprar uns bilhetes de avião e lá íamos nós durante nove horas sentado um ao lado do outro, extasiados com medo, sem saber o que dizer. Eu olharia para ti e deslumbraria-me com a tua pele, com a tua presença, com o teu cabelo ali junto de mim. Procurava o teu cheiro e ele por momentos deixando-me inconsciente do que fazia contigo, a minha mão a procurar a tua, e talvez um pequeno passo para de seguida um beijo, um pequeno conforto da tua cabeça no meu ombro e o meu ar respirado através do teu cabelo. Uma caricia lenta na orelha mais próxima, um beijo de satisfação, de protecção dizendo eu estou aqui, nunca te vai acontecer nada de mal sem que eu esteja por perto para te ajudar, para te amar. Aprenderíamos nesse avião o que cada um é, dirias coisas acerca de ti, eu acerca de mim, eu lentamente me perderia nos teus olhos e tu lentamente na minha humilde forma de ser e de amar. Pensarias que os sentimentos eram bons, que vale a pena, e eu perceberia que os meus instintos estão correctos. Um beijo suave na tua cara, um beijo suave na tua boca, a mão apertada na minha, apertando a minha, e eu, na minha mente apagando a ideia de que não existe no mundo quem largue tudo e vá comigo para a China porque tu ali ao meu lado.

domingo, 7 de novembro de 2010

Ontem...

.... sai do trabalho e enquanto me torturava mentalmente acerca das impossibilidades de me dividir em 3 e tomar conta de todo o trabalho que ocorre na obra da qual eu sou responsável, ou lá o que quer que seja que eu sou nesta empresa, dizem eles big project manager, digou eu big project's disaster manager e equanto virava e revirava o meu pequeno suzuky jimny azul nas ruas desta pequena e caótica cidade quando de súbito me vejo deparado com um tipo, possivelmente estrangeiro a julgar pela cor e roupa, a pedalar pela mesma rua a que eu estava a chegar, no seu monociclo. A tristeza e frustração continuaram em mim, mas fui obrigado a levar um sorriso até a casa devido a este senhor que denotava capacidades circenses ao conduzir tal coisa por uma estrada bastante esburacada.
Por vezes vejo-me tão triste e tão sem vontade de ficar aqui, ou nalgum lado, de ter pessoas em meu redor pedindo, exigindo, querendo atenção que eu não quero dar, que eu não tenho para dar. Preocupo-me demais com tudo e julgo que todos merecem igual atenção e igual tratamento e igual dedicação da minha parte e acabou por deixar nesse limbo algumas pessoas que importam mais. Sinto saudades, falta das pessoas que gosto. Esta semana surgiu ainda mais forte. E eu aqui, Luanda, sem saber o que sinto, o que quero, o que fazer porque as coisas não correm bem e o esforço de semanas demora 15 minutos a destruir. e eu não sei, e o titulo deste post hoje talvez apenas surja no fim, eu não sei, não sei quem me gosta, quem me ama, quem me quer, que me admira, quem me detesta, quem me telefona sem segundas intenções, quem me fará feliz. Eu simplesmente não sei...

quinta-feira, 28 de outubro de 2010

Angola...

... é um sítio que me obriga a escrever no meio de um trânsito caótico ouvindo uma entrevista surreal de um ex-treinador da selecção Angolana acerca da vida que levou por cá. Pobre francês sofreu a bem sofrer todas as peripécias decorrentes do normal viver neste belo pais. Queixava-se o senhor que a malta não era profissional quando aqui andava. A seguir (eles fazem muito isto, entrevistam alguém em diferido e depois metem a outra parte em directo a fazer a defesa) dois senhores da federação dizem que não lhe pagaram os ordenados porque o sr. se estava a divorciar e que queria o dinheiro num offshore qualquer para a víbora da mulher não lhe por as garras em cima. digamos que eu ainda não parei de rir desde que comecei a ouvir isto, e que estou a reportar em directo. Hoje apeteceu escrever sobre algo do quotidiano, que aqui é sempre tão variado e por vezes divertido que realmente parece um filme indiano / novela mexicana. Vou comprar um sari e duas pistolas para andar na rua hehehe.

terça-feira, 26 de outubro de 2010

As...


...palavras do dia a dia são tão fortes e tantas que ultimamente sinto cada uma como se fosse uma martelada directamente no meu ouvido. Um telefonema e o incessante som do martelo ta ta ta ta ta, um problema na obra e outro martelo a bater em mim. Eu depressa sem força nos joelhos e sem vigor na cabeça para deslindar as intrincadas incoerências da vida. Reduzo-me a trabalho e sono e comida e alguns dias em que realmente digo, estou vivo, porque sozinho olho algo que não me agrava e sozinho entro em mim e percebo todas as dores e castigos que me imponho. Não deveria ser tão pessoal tudo o que acontece, no entanto acontece e eu por vezes julgo que eu no centro de um universo que não existe e por isso quando me descubro bem longe dele, sofro por não poder ser melhor do que já sou, maior do que sou, mais magnânimo, mais altruísta. Gostava de voltar a descobrir um amor que perdi há uns tempos, amor que me fugiu outra vez por entre os dedos como água ou areia na praia, e se esse amor algo sereno, devagarinho os olhos noutros olhos, a pele noutra pela, a mão tocada e não afastada, o sorriso aparecendo e eu esquecido que apenas eu, e eu julgando que tudo de novo com sentido, tudo de novo com alegria e com significado.

Um dia gostava de me apaixonar novamente, e nessa paixão a aventura de correr para aqui e correr para ali, de ver o Alasca, de ver a Argentina, de seguir por todos os caminhos e rotas deste mundo e apenas descobrir que em todas as pessoas que por ele conheceria que o primeiro sorriso conta mais que tudo, o primeiro passo um grande desafio, e o beijo, algo pelo qual eu sempre anseio, dificilmente chegará. Gostava de ser crónico tímido, e não apenas demasiado tagarela para a timidez que sinto em mim.

domingo, 17 de outubro de 2010

Um dia...

... acordei à hora normal, seis e trinta da manhã, e da mesma forma como no dia anterior e como nos dias seguintes, levantei-me, tomei banho, coloquei uma roupa tirada do armário da mesma forma como se tira uma bola vermelha de um cesto cheio de bolas vermelhas, o mesmo que dizer a primeira que vem à mão, e segui para o trabalho, a cidade àquela hora ainda um pouco vazia, segunda feira é sempre um dia de demora a chegar ao trabalho, atrasos porque o fim de semana ainda agarrado à mente e ao corpo. Peguei no carrito pequeno que me deram, gasto de mau uso não de idade e subi contornei a obra nova da assembleia, subi a rua que passa junto ao ministério da justiça, fiz o retorno no hospital e desci a rua até cruzar com a avenida. O escritório ali junto de mais um bairro de miséria que perde terreno para as vivendas chiques e novas das empresas que se instalam ou das embaixadas que vão abrindo por esta terra de petróleo e diamantes, de agricultura e oportunidades de que todos querem conseguir ter um pedaço. Obras novas na minha cabeça, ideias para brilhar e para concretizar sonhos, vontade de ser mais forte e mais capaz de lidar com os problemas da semana anterior. Por momentos, como todas as minhas ideia, considerei o disparate de respirar já as ruas desta pequena cidade tão agitada como se respirasse as ruas da minha primeira cidade, e o disparate a surgir do facto de as conhecer melhor aqui do que lá, onde vivi durante anos. Como sempre, pensei em amor, não haverá dia que dele não me lembre, e nesse campo eu tão dividido entre a vontade de gritar o grito da libertação e viver aventuras, correr o mundo com a mochila e esquecer que se precisa de amar alguém, e com a vontade de encontrar uns braços ternos e confortáveis que me segurem e me garantam que tudo está bom.
Uma vez olhei uns olhos bem azuis e julguei ter visto neles uma resposta à minha divisão, esses olhos viram-me e pensaram algo que eu não sei nem consigo adivinhar, e no entanto eu incapaz de fazê-los perceber que os quero, que os procuro tantas vezes de uma forma ávida, que os queria para mim. Chego ao escritório, as obras apesar de novas não começaram ainda e eu sento-me por lá a resolver papelada e a julgar o que será quando elas começarem. Deixar de poder ir para onde quero e levar-te, deixar de te ver.
Diria que descobri que me apaixonei a uma segunda feira pela manhã, e no entanto não tenho coragem para o concretizar. Talvez um dia quando for mais antigo, mais usado que agora me consiga perceber e emendar pela forma que a minha timidez me impede de te dizer o que julgo sentir. E seria belo o dia em que o fizesse.

terça-feira, 5 de outubro de 2010

Deixava-te...

... sozinha na porta de casa, de mala caída no chão, boca aberta enquanto eu sorridente retirava mais um livro da estante para dentro de um caixote. A tua boca incrédula não gesticulava palavras que não conseguias falar tão do mesmo jeito que não conseguias dizer amo-te ou tão do mesmo jeito que depois não conseguias simplesmente dizer mais alguma coisa. A mala caída demonstrava o inesperado da situação, eu ali a sorrir, a arrumar livros, os meus fáceis de encontrar entre os teus tão genéricos e coloridos de romances best seller e autores do mês. Lias como vives, de acordo com o que mais vende e que mais é badalado na revista ou na tv, conforme precisavas de um carinho ou precisavas de um contacto. Magoaste-me e esta era a minha vingança, uma fita grande, a casa cheia de papelinhos coloridos em formas redondas espalhados por todo lado, na fita algo como surpresa vou sair de casa e os teus olhos fixados na parede onde a pendurei, na garrafa de espumante meia bebida dentro do balde de gelo, sem copo para quê copos quando o dia é de alegria, bebe-se de gole e da garrafa. E algo no teu coração depressa desperto, um beijo na face, um ligeiro empurrão para chegar à tua orelha e num sussurro como se diz no meio do beijo mais quente, vou embora amor, até nunca mais.
As lágrimas no carro, as lágrimas no caminho para lado nenhum, e eu simplesmente a viver uma novidade, a viver sem ti.

sexta-feira, 24 de setembro de 2010

Levantei-me...

... da cadeira que tenho em frente ao computador, olhei em redor e a divisão pequena com o pomposo nome de sala de produção pareceu ainda mais pequena e opressora. Levantei-me porque pensava em ti e nas coisas que de ti vêm e vão, o meu estômago incerto contorcia-se com uma dor esquisita que diria ser a tensão de algo que está prestes a romper-se. A tua distância a tua indiferença agravavam-me a visão, deixavam névoas e dúvidas, sai, subi as escadas e entrei na casa de banho, tranquei a porta, sentei-me na sanita, não porque o meu corpo sentisse alguma necessidade, mas apenas porque ela tem a altura exacta para que eu sentado me possa dobrar, colocar os cotovelos em cima dos joelhos, as mãos a segurar a cabeça tapando os ouvidos de modo a que eu não me ouvisse soluçar e portanto para que ninguém me ouvisse soluçar. As lágrimas teimosas percorrem a face e perante uma tal injustiça eu apenas triste por não poder dizer que te amo, eu apenas triste por não poder dizer que te amo meu amor, apesar de parecer seres tu que não me amas, e eu tão descrente disso eu tão revoltado comigo por ter perdido novamente, por ser sempre a minha culpa, porque eu sempre longe e eu sempre um peso e eu sempre distante e eu sempre sem vontade de ir aos jantares com as amigas e eu sem poder ir passear porque não há dinheiro. E no entanto eu agora cheio de vontade de te fazer todas essas coisas, eu tão cheio de vontade de te ajudar a ultrapassar a indiferença, de te ajudar a esquecer que alguma vez me viste de outro modo que não o teu amor. E as lágrima que insistem cair, que insistem ser por ti, vão queimando a minha alma e vão-se espalhando até ao meu queixo onde pingam, onde me distorcem a face, e no meu redor não vejo nenhuma solução para viver, não vejo uma vontade para ser mais e melhor, não vejo razão para querer ser de mais alguém que não teu. Por vezes preciso de ser ouvido, por vezes preciso de saber que alguém me escute e imagino que eu sentado a um canto rodeado de pessoas que não falam, só ouvem e eu sem parar liberto todas as palavras que me rodeiam a mente, todas as sombras ingratas que me correm o corpo, e elas acenam a cabeça e todas elas me amam, todas elas me deixam ser o seu amor, possuir o seu corpo, e eu fantasiando com isso julgando-me uma espécie de super ser revestido de eterna paixão e amor, quando apenas tenho o medo do esquecimento que me assombra agora, quando tenho medo da distância, quando não te vejo mais do que aquilo que já és, a mulher que quero, que sempre quis e não consigo manter comigo porque algo em ti complicado. Ouvir um amo-te lavaria todas as mágoas.

domingo, 19 de setembro de 2010

Gostava...

...de poder ter a calma suficiente para neste momento conseguir ver claramente o que a minha vida me pode reservar. Mais uma fase crucial, mais um ponto de rotura perante de mim, mais uma dor, uma ansiedade, mais uma pilha de questões das quais as respostas não dependem de mim. E é assim que um dia me vejo a perder outra vez um dos pilares, um dos motivos para ser melhor. Estou tão longe de mim, longe de ti, e tu és tão importante, e tu és tão instável, e cada vez que tu instável a nossa relação questionada, a nossa relação em causa. Gostava de poder responder por ambos, gostava de poder ser eu a responder sim, seria muito mais fácil, e não sou eu, não sou eu que tem de dizer, e a resposta que virá está a deixar-me aterrado, vou perder-te sei que já te perdi, e não te quero perder.

sábado, 18 de setembro de 2010

O amor...

... foge-me entre os dedos novamente como a areia da praia quando a agarramos. Estou demasiado longe para poder cultiva-lo e percebo-a, percebo que se sinta só, que queira o conforto inerente do contacto humano. Fizemos planos, fizemos coisas tão boas para que tudo caia sobre a forma de um "não sei" a minha vida parece um interminável repetir desta frase, desta pequena frase que destrói o que tenho e o que temos juntos. Não é fácil para ninguém meu amor, não é fácil para mim que não paro de chorar porque te sinto a falta, porque te sinto à deriva ai. Os meus apelos parecem tão fracos com a distância que até eu os tenho dificuldade em digerir. Tanta coisa outra vez, mais um ano que passa e mais uma vez o mesmo erro entre nós. Só quando é tarde demais se fala no que se sente, e não sabes e não queres e não podes e não sabes não sabes não sabes. E eu achas que sei o que preciso, achas que sei que a minha vida um caminho recto? Não sei meu amor, não sei mesmo porque me fazes isto, porque me voltas a fazer isto.
Por uma vez na vida gostava que as tuas duvidas fossem sobre os candeeiros da casa, os lençóis da cama e não sobre eu e tu juntos. Hoje o meu peito aberto, rasgado e desprovido de coragem, hoje eu apenas destroçado porque a pedrinha que segura os meus objectivos, o meu foco, ameaça cair. Puta de vida injusta a minha hein?

quinta-feira, 2 de setembro de 2010

A insónia...

...finalmente chegou para mim. Havia momentos da minha vida onde duvidava de quem dizia dormir mal porque o trabalho não ajudava, porque os problemas não paravam, porque a consciência pesava. Alguns era da minha idade, outros mais velhos mais novos, e eu que dormia todas as noites de igual modo tranquilo recusava-me a acreditar que alguma vez seriam más as minhas noites. Desde que regressei parece-me que todas elas demasiado curtas e as poucas que foram longas demasiado irrequietas. Sinto dentro de mim que algo morre devagar, por vezes penso que sou eu por estar longe que estou a perder as minhas forças e a minha coragem de emigrante à boa moda portuguesa. Sinto que os medos profundos de outra hora se manifestam face a algumas impossibilidades do momento. O não posso a que respondo aos apelos de quem me ama, o não pode ser que recebo de resposta aos apelos que faço à mesma pessoa começam a preocupar-me, a deixar um rasto de destruição lá para trás, e agora os telefonemas mais curtos, as mensagens mais vagas e eu cheio de vontade de me desfazer em lágrimas pela sorte que por vezes nos vemos sem forças para mudar. Muitos e depois, muitas interrogações de como irá ser, como vamos fazer se, e eu olhando para uma vida ingrata que me permite estar afastado de todos que considero demasiado importantes para o estar, eu olhando para mim que me permito a tal luxo. E depois como vamos fazer, quando depois desta etapa outra etapa, quando depois desta proposta outra proposta que não se consegue dizer não. As férias que destroem a minha capacidade de aguentar a separação, que nos aproximam tanto tanto e eu ali no aeroporto a beijar-te, a dizer que passa num instante, a entrar no avião e a viajar tantas horas, a chegar à outra casa, não a verdadeira, apenas às paredes que me dão abrigo enquanto não me posso abrigar em ti, e a dormir, a acordar e apenas no dia seguinte me dar conta que não me afastei umas horas de ti mas toda uma vida novamente longe. E talvez não durma porque o trabalho me incomoda ou porque os problemas do trabalho não deixam, mas por vezes julgo que não durmo porque sinto em mim um problema que somos nós, não juntos mas nós afastados, o tempo faz apagar a paixão e o meu desejo desapareceu por completo. Sinto a inércia morna da água parada, sem continuidade, apenas estagnada. Sinto em mim uma desilusão com o que tenho e com o que sou porque há coisas que devem fazer-nos largar tudo e no entanto talvez por já ter sido tão sofrido este amor, eu não o consigo fazer-me largar a minha realização pessoal. Sou-lhe fiel, sou para esse amor o que devo ser, no entanto cada vez mais julgo que morre em mim um pouco mais dessa urgência do corpo e apenas o carinho me falta, o beijo, o abraço a ternura de tua pele e o fresco dos teus braços. Se eu contigo não faríamos amor hoje minha querida, apenas te ouviria respirar tranquila enquanto descansavas do teu dia de trabalho, e ai sim eu diria que a insónia seria de trabalho, ou então devida a um mau sonho que me fez acordar, e não nunca por estarmos longe porque isso apenas um sonho mau que ambos sonhámos em conjunto e que o tempo se encarregará de levar para um lugar escondido da alma, da memória, do corpo.
A minha insónia prolonga-se pela noite enquanto durmo e não consigo parar de pensar, enquanto me lavo pela manhã e nada na minha cabeça senão trabalho vida tu e por vezes apetece encher a banheira e colocar lá dentro a cabeça abrir a boca e gritar o mais que conseguir debaixo da água. Talvez assim algo de mim se libertasse e eu mais descansado, eu mais confiante que nós somos um único futuro, eu mais focado no que se precisa de fazer para ter esse futuro, eu cheio de coragem sentado no escritório do administrador a rasgar o contrato de anos que me entregou para assinar e a pedir que me desse antes um bilhete para casa. Eu assim forte e orgulhoso de mim enquanto chegava finalmente a ti que és a minha casa, e dela não gosto de me afastar.

segunda-feira, 30 de agosto de 2010

Custa-me...

... falar de dores e tristezas mas de algum modo elas hoje andaram lá no fundo da minha mente, para lá do ultimo plano a passear, a acenar insistentemente como aquelas pessoas que nos vêm na rua e nós as vemos a elas e pensamos pode ser que não tenham visto e elas param exactamente no sítio para onde desviamos o olhar e acenam acenam as mãozinhas até que desistimos e vamos lá dizer-lhes olá como está como vai a vida muito trabalho só passear por aqui por ali onde tens estado para onde vais, o rol costumeiro de palavras e perguntas das quais não queremos saber resposta nem ouvir retribuição. Enfim falava de dores e tristezas e talvez por me ter sentado a escrever me tenham surgido de súbito como a coisa mais importante para escrever. Doe o corpo e a mente e a alma e depois de tudo o que doe doe ainda mais um pouco estar longe de casa. Vivo no meio de um bairro a menos de quinhentos metros da casa do presidente, e diria-se que isso por si só seria suficiente para que se determinasse ser um bom bairro, não o é, no entanto a minha casa lá bem longe onde ela vive e ela se deita e ela tem as suas coisas, aqui comigo apenas uma lembrança, algo que me colocou entre as roupas da ultima vez que lá estive e que já perdeu o cheiro mas mantêm a emoção que revivo todas as manhãs quando abro a gaveta e vejo a prenda dela, a pego, a cheiro e uma peça de roupa por mais simples que pareça por vezes tão como comida, como o bater dos talheres que nos faz salivar. Somos de facto seres de hábito e de habituações. Sinto-lhe a falta hoje por não a ver, sentia-lhe a falta antes por não a ouvir, antes disso por dela não saber e no entanto agora que ela e eu juntos, eu longe, sem vontade de romances sem desejo de carne que cresça em mim, olhando atributos que não os dela e simplesmente rejeitando o que vejo ou considerando que tudo diferente e que eu não deste mundo onde vivo mas talvez de outro diferente, mais regrado, mais cheio de pudores. E por detrás das tristezas que passeavam na minha mente hoje os meus pudores mortos, enterrados e eu um animal selvagem correndo a rua procurando sem rumo por uma carcaça, por uma presa que sem dó sem escolha devoraria no segundo imediato à sua morte. Talvez apenas me pense assim e de facto nunca esse o meu feitio, talvez julgue que sinto demasiada dor pelo afastamento ingrato daquilo que considero realidade e modo de vida, ou talvez apenas uma certa complicação de ideias, um certo desconcerto de regras e morais. Talvez eu perfeito para apenas sonhar com dores e romances que nunca haverei de ter, como pessoas que parecem merecedoras de total dedicação. Talvez um dia, numa outra vida se a reencarnação um facto e eu libertino, conquistador, despreocupado, não como eu agora. Sou como sou e aceito tantas vezes que o que passei levou-me a um patamar em que passo por outras provas e as ultrapasso com menos drama porque tudo complicado e no entanto tudo com hipóteses válidas de solução mas digamos que me custa fazê-lo sem ti.

quarta-feira, 25 de agosto de 2010

Respiro...

...e em mim este ar rarefeito foge para outros sítios, respiro novamente e o ar foge. Por vezes dava por mim parado a olhar sem razão algumas pessoas que passavam lá fora enquanto os outros em meu redor concentrados nos papéis e no computador, achava estranho porque razão uma empresa precisava de um edifício tão grande para se sediar e depois porque razão em volta meia dúzia de casas baixas, alguns terrenos vazios e uma escola. Um pouco mais à frente mais dois ou três, atrás uns cinco ou sei, mas todos mais baixos que este, e porque seria, nunca tive coragem de perguntar. Dizia que observava as pessoas que passavam lá fora, já pequenas pela distância, da escola conseguia por vezes ver crianças a correr sem nexo de um lado para o outro, dada a altura já uma certa extensão do rio, um pouco da Costa da Caparica e naqueles dias de sorte um navio de cruzeiro a subir ou a descer o rio em direcção a um qualquer paraíso tropical que insistem em colocar em grandes cartazes ali junto da entrada da autoestrada, que me vão mostrando quanto de mundo ainda me falta conhecer, eu que uma vez mais novo, ainda na escola, fui visitar o Cabo de Sagres e perguntei à professora de o mundo acabava ali, ela rindo perante o disparate disse-me que não, que ali um grande rio que unia dois mares, um pequeno e um muito grande e que depois do rio África, Marrocos, como se estivéssemos em Lisboa e víssemos a Caparica, ou melhor a Trafaria como eu daqui consigo ver. Bons tempos em que na minha cabeça um mundo de desconhecimento e de cegueira, onde tudo espantoso e imenso, tudo gigante perante o meu tamanho. As escadas do autocarro imensas, o corrimão onde dezenas de mãos se agarravam tão acima da minha mão, eu a agarrar-me ao banco, imaginando que no próximo cruzamento de avenidas, caído no chão porque um choque, porque uma travagem, e chegando a casa, como funciona o travão do autocarro pai, e nenhuma palavra porque o jogo na televisão e também ele tão imenso e tão distante a boca dele dos meus ouvidos, talvez por isso não se perceba a resposta que deu, talvez por isso não se consiga ver os movimentos da sua boca. Um dia mais tarde percebi o que dizia, comecei a ouvi-lo melhor, mas não naquela altura. Entrava em casa e comia connosco, silencioso pensando no trabalho, vinha de gravata e chapéu, gabardina no inverno e realmente nunca lhe percebi o ofício excepto que o fazia na baixa da cidade numas janelas brancas ladeadas de paredes amarelas, uma porta em madeira que anunciava imponência. Pensei que talvez eu ali um dia e no entanto um pouco mais longe onde os autocarros deixam de ser amarelos e ganham cores diferentes, menos naturais para o que são, e têm um aspecto de provincial que me faz pensar que eu a caminho do campo, da casa de meus avós, cheio de estradas sinuosas e caminhos longos, hoje em dia uma hora, antigamente três, malas, encomendas para lá, produtos da terra para cá, agora tudo melhor, não há necessidade da avó quando se tem o supermercado mesmo à beirinha. Pensava na simplicidade de viver assim, e por vezes desiludido com a necessidade de ter que carimbar mais uma factura suspirava, puxava o ar que me fugia para todo o meu corpo excepto para onde devia e libertava-o abanando a cabeça num negar da própria necessidade de voltar a ser inocente.

segunda-feira, 23 de agosto de 2010

Não quero...

... continuar a fingir que vivo uma vida boa só porque cada vez que regresso a casa posso ficar a olha a parede e imaginar que ganhei muito durante a minha ausência. Não há nada neste mundo que pague ou alguma vez me compense do tempo longe dos meus. Luanda foi uma visão de terror quando aqui cheguei, assustei-me com a extensão imensa do bairro de lata que vi assim que o avião curvou para aterrar. Passou-me pela cabeça meu Deus que horror assim sem mais nem menos lembrei-me de Portugal, de que também há coisas assim por lá e que não podia ser tão mau. Quase um ano passou e eu por aqui vou indo de casa ao trabalho, de casa à Ilha, de casa à praia, de casa ao supermercado, e a cada ida ali ou acolá sinto o meu vazio aumentar pela falta imensa de um pouco mais de brilho na minha vida, um pouco mais de satisfação que a cada dia deveria crescer ou manter-se, não desaparecer cada vez mais. Mudei de trabalho, voltei a casa e regressei novamente, e esse avião que me trouxe parecia uma faca afiada que entrava lentamente entre as minhas costelas e se instalava no meu pulmão cortando a respiração, deixando-me a engolir ar sem o conseguir. Sentei-me numa cadeira durante uma semana magoado, aflito com o panorama que tinha deixado em casa, um amor tão batalhado, tão cheio de altos e muitos baixos, de dores e afastamentos, quando finalmente esse amor restabelecido e planos de futuro juntos, eu de novo sentado nesta cadeira a muitos mil quilómetros de lá. E novamente a questão se tu a minha casa meu amor, porque eu não ai contigo. E a resposta por parva ou por incrível que pareça pelo menos triste, nenhum de nós tem a coragem para mudar o que tem de forma a que o que tem passe a ser o que temos. É assim uma vida moderna e internacional que recebi, que me diz estás no caminho certo, vais lá chegar, e depois a minha cabeça complicada ajuda a dizer que vais lá chegar, mas para lá chegares vais ficar muito tempo longe, vais perdê-la e vais voltar a sofrer por que tu e ela juntos, tu e ela separados sem sentido.
Quando o amor nos obscurece a visão, torna-se necessário cura-lo, esquecê-lo, perdê-lo, ou entrar nele, viver dele, viver para ele. Já me imaginei a fazer a lida da casa, o jantar, o almoço enquanto procuro por emprego ai. Tentar escrever que sempre gostei tanto e sempre foi uma das minhas ocupações. Talvez ai encontrar uma ponta às histórias que andam cá dentro. E talvez um dia quem sabe eu novamente a fazer o que gosto, junto de ti, e nós os dois felizes, despreocupados porque juntos, porque sem razão para estarmos de outra forma.

sábado, 21 de agosto de 2010

Sonhei...

...contigo esta noite, eras uma parte ausente de mim mesmo quando olhava em redor e não te via, continuava a achar que tu no sítio onde não tinha ainda olhado. Ao meu redor um sofá branco imenso de pele onde os meus amigos, pelo menos alguns deles, se sentavam relaxados numa pose e com o sorriso de quem encontrou a posição certa para o fazer. Uma mesa de vidro e ferro no meio, um tapete castanho claro, eu o único que sentado no chão, e como dizia antes, olhava em redor e o redor um género de nuvem da qual apenas conseguia perceber que nos envolvia e não demonstrava qualquer zona por onde se pudesse antecipar uma saída. Perguntava-lhes por ti, onde está? Olhava para um telefone cinzento e deformado com uma carapaça dura e que não tinha teclas e somente apareciam nomes de pessoas o teu lá e eu incapaz de escrever, a ansiedade de um som vindo dele e nunca qualquer som. Depressa eu sentado numa mesa de madeira enegrecida pelo tempo e pelos líquidos que nela por certo tantas vezes pousaram, olhar o fundo de um prato onde letras castanhas antigas falavam sobre o cardápio milenar desta casa com cheiro a vinho e cerveja, com balcões em parede caiada, traves de madeira e telhado de duas aguas bem visível de onde estava sentado. Casa cheia com gente da minha idade e apesar de tudo ninguém conhecido, nem uma cara familiar, percorrendo olhos tentando encontrar quem te substituísse e nem uma semelhança, nem uma faísca. Sentado ao meu lado o dono em deveres de apresentação olha para mim enquanto eu olho para o prato e me explica o contexto de fusão antiga portuguesa e comida chinesa. Então reparo atrás do balcão na quantidade enorme de gente de cabelo preto e pele amarelada, vestidos de calças azuis e camisa azul às riscas como se tivessem acabado de vir de um qualquer franchise moderno. Nos armários inevitavelmente em madeira de cor preta caixinhas de massa recheada recém cozidas fumegam, e eu só penso que faz massa dim-sum numa adega portuguesa no meio de copos de barro e rodelas de tinto em relevo no balcão e nas mesas. Que faz este senhor de bigode magro e cabelo grisalho ao meu lado, olhando o meu ouvido e falando para ele como se eu interessado no que me diz, enquanto tento encontrar no fundo do prato uma linha que diga dim-sum e só encontro rojões à transmontana, cozido à portuguesa, pézinhos de coentrada, arroz de polvo e o meu desespero sobe sobe porque ali o que quero e no entanto não o consigo dizer, não o consigo explicar ao senhor que fundiu o tasco e o restaurante chinês e lhe deu o ar de adega de quinta. Mas nunca neste sonho os teus olhos, e é isso que me faz acordar de manhã, procurar a tua mão ao meu lado e por vezes, ultimamente nunca a encontro, e talvez porque nós longe um do outro não possamos sentir o conforto que vem da partilha da mesma cama, talvez por isso os meus sonhos mais complicados, tu sempre mais longe, tu sempre noutro lado e eu sempre a sentir a tua falta. Não sei porquê neste sonho o teu nome Mariana.

quinta-feira, 19 de agosto de 2010

A fome...

... ardia no meu estômago como a chama branda e desgastante do lixo que vejo na encosta. Não fazia ideia que doía tanto até que um dia resolvi deixar de comer, não porque não possa, mas porque não quero. Decidi não ser a falta de trabalho nem a falta de dinheiro que me poderiam impedir de comer, decidi eu vou deixar de comer e nesse dia tudo tão fácil e eu esquecido do que cheira a farinha e o feijão, de como sabem bem os ovos cozidos misturados com picante.
Procuro trabalho pelas ruas desta cidade onde não faltam portas abertas para entrar gente branca, gente preta com cartões, portas onde seguranças de farda e rádio e pistola no cinto me impedem de parar dizendo que não há nada ali para mim e por momentos esqueço que preciso disso e convenço-me de que volto para casa como se houvesse feito um dia grande de labor e tivesse recebido um elogio do chefe. Fazia tanta diferença um bom trabalho, por vezes parecia que o fogo brando em mim acalmava e o álcool e as drogas para aguentar as horas de pé começavam a surtir efeito levantando-me devagarinho com o elogio e eu tão pertinho de me sentir bem, tão pertinho de esquecer que em casa nada senão umas quantas paredes tortas cobertas por placas de lata esburacada que caem a cada nova chuva e me tentam tirar a vida quando eu deitado no meu canto durmo duas ou três horas antes de trabalhar.
Nunca percebi de facto porque me preocupo em voltar, meia dúzia de pessoas que não conheço por outros cantos das mesmas paredes, gente a quem não posso chamar família e que me ameaçam de morte se não entrego metade do ordenado para pagar o canto que me sobra todas as noites. Olho a cada manhã, enquanto o autocarro desce aos solavancos pela estrada esburacada, as casas finas na baía, e como seria poder um dia fazer planos para viver lá, receber a família, pai, mãe no domingo, tirar da prateleira uma coisa fina para servir, ordenar à criada que preparasse o almoço de domingo. Eu ontem à porta de um sítio desses e o segurança para mim a perguntar que ali fazia, a ordenar que nada ali para mim, que procurasse noutro sítio. Subi a rua, voltei à esquerda desci, voltei a subir para a direita e lentamente subi subi subi, entrei noutro bairro que não o meu, procurei uma porta aberta e quando encontrei a primeira afirmei, quero metade do salário de cada um que aqui mora, esta casa é minha a partir de agora. A dor aguda do aço apagou o fogo lento de lixo do meu estômago, o cheiro mais forte, não a dejectos nem a coisas atiradas fora, um cheiro forte a terra seca enquanto os meus olhos se fixavam num tecto branco sem mácula, nunca um branco tão limpo, o conforto nos meus músculos sem peso para suportar e um sono lento substituiu os meus pensamentos. O fluxo corria suave para o meu lado e por ali fluía a minha vida, pensei, talvez veja outra encosta talvez a suba por vezes para visitar um familiar distante e oferecer as roupas que não gosto e comprei por capricho quando acordar de novo.

Meu amor...

...como sinto a falta dos teus braços em torno do meu corpo, e por dizer teus braços talvez queira dizer de ti em torno de mim ou da tua voz a soar nos meus ouvidos, porque não dizer do teu coração que bate bate e eu extasiado encostado ao teu peito o ouço. Porque não dizer que anseio ouvir esse trabalhar e maravilhar-me uma vez mais com a magnifica simplicidade que te faz respirar, que te dá cor, que te faz estar junto de mim. Se ao menos nunca nós longe e por dizer se ao menos, quero dizer que porque tão longe eu de ti e tu de mim, porque tão longe os nossos corpos quando na mente a minha casa a dois passos do meu trabalho e a tua casa a dois passos do teu trabalho e se tua a minha casa porque não tu a dois passos de mim? Faz doer esta espiral de questões que não sabemos responder meu amor, faz dor forte este medo que aumenta a cada dia de que a vida sem trabalho não seja a mesma que com trabalho e no entanto minha querida, se não fosse o trabalho que me mantém tão distante nesta outra metade do globo onde tu não estás, se não fosse o trabalho eu ai contigo ou tu aqui comigo, qualquer forma seria boa, qualquer forma que me mantenha junto a ti é boa exceptuando não poder trabalhar, não poder ser realizado. Ambos lutamos demasiado meu amor para agora desistir de ser aquilo que queremos e talvez por isso não tenhamos um do outro o que também queremos. E assim tu sentes a minha falta e eu sinto a tua falta, os nossos corpos tremem com ânsia de prazer e por vezes talvez tremam por outros corpos que não os nossos. Talvez tudo desapareça a cada regresso, talvez no segundo em que as portas automáticas do aeroporto se abram, e tu sempre à esquerda da rampa com o teu olhar sereno e o teu cabelo claro aos caracóis que te amo, com a tua pele clara que me faz pensar que tudo na minha vida vive para ela, e quando nos abraçamos, quando me dizes olá querido ou olá amor ou olá ou finalmente ou um suspiro de igual modo relacionado com o aliviar de uma força opressora, quando me dizes isso meu amor e eu te abraço e beijo ali em frente de toda a gente que queira ver e perceber que não se ama por escolha, ama-se porque não podemos controlar o que queremos quando só se quer os teus braços. Calmamente levas-me para casa porque não quero conduzir, não quero tirar de ti os olhos e levas-me para casa abrimos a porta, as malas caem no chão, as malas ficam junto da porta e eu só perdido na alegria de tu só minha, de eu só teu novamente, eu desejando que onde trabalho desaparecesse do mapa, eu desejando que fosse ali já junto da porta, e eu desejando que esta carta apenas um fragmento da minha imaginação enquanto te beijo ao invés de escrever uma carta enquanto imagino que te beijo novamente.

Sinto a tua falta...

sábado, 14 de agosto de 2010

Gente...

...velha que sentada num banco de jardim ou num autocarro tem o mesmo olhar vago e distante, já os vi de diversas cores, diversas nacionalidades e no entanto em todos o mesmo olhar vago o mesmos ombros descaídos. Por aqui são tratados com o respeito que a idade lhes concede, caminhando por ai com o lábio inferior a segurar um cigarro enquanto coxeiam ou apenas andam devagar. Sinto uma ternura exagerada por esta gente que um dia foi como eu olhando os que passavam e lembro-me dos meus velhos, dos meus avós, duas senhoras uma cheia de força que criou filhos e filhas cultivou terra e a muita vontade criou netos e netas, criou-me a mim durante algum tempo e eu a beijo cada vez que regresso a casa, lembro-me da outra doce e pequena, sempre com um abraço apertado para cada neto que também ajudou a criar, que também viveram na casa dela e cresceram longe dos pais, deles os homens havia um duro e moldado pelo trabalho ingrato que a sua vida lhe deu, partia pedras numa pedreira e era bruto, não demonstrava que sentia nem que sofria por nós, morreu sozinho, numa noite rodeado de gente com a mesma idade dele, sem força já para ser o que era e da ultima vez que o vi senti tanta vontade de chorar, tanta vontade de ir ter com ele e leva-lo a passear, lembro-me do outro que uma vez ficou 2 anos dentro de casa sem sair e eu a compreendê-lo e a achar nele tanto que achava em mim, parava para pensar com a mão no queixo e o cotovelo apoiado na mão que lhe sobrava, usava calças gastas e um cordão a segura-las. Podia dizer-se que era um mendigo, que andava andava andava, ia para a praia, tentava cultivar coisas mas nunca foi grande agricultor. Vejo-me tanto nele, naquela loucura pacifica, naqueles olhos onde tanta curiosidade, onde tanto clamar de atenção, e toda a gente gostava dele e reclamava que era chato e no entanto não tanto isso, talvez um desespero de atenção que lhe faltava. Esta a minha gente velha, de onde eu vim e a quem herdei os méritos e as loucuras, de quem herdei os humores e os jeitos. Esta gente velha da qual hoje escrevo e reconheço a profundidade da existência que até agora me passou ao lado, me custou a perceber que apesar de já não haver neles a energia que eu sinto, há neles todo de mim, todo o meu resultado derivado deles, e por consequência também este texto deles, e da cabeça deles que me estarão a ver algures onde quer que ainda existam.
Sinto nostalgia e saudade dos tempos em que corria de um lado para o outro na casa de uns ou de outros, em que brincava sozinho por ali e a minha mãe me telefonava do trabalho a perguntar se estava tudo bem, de ver a minha irmã chegar a casa com uns livros grandes que eu julgava nunca vir a perceber, e percebi mana, já sei quanto vale o pi, já sei como se usa. E cresci, e além de ter aprendido o valor do pi, aprendi a demonstrar o valor do pi, aprendi a fazer contas complicadas e grandes, aprendi a fazer fundações, faço fundações como os meus velhos fizeram fundações para a minha vida e para a vida dos que de mim haverão de vir, e um dia quem sabe alguém que se identifique comigo, que descenda de mim diga nalgum lado, escreva nalgum lado ou reconheça nalgum lado que havia um velho dele que infelizmente morreu sozinho, que viveu ao lado da mulher que sempre amou e lhe dedicou todas as suas obras e devaneios de escrita que fazia nos tempos livres, enquanto realizava a profissão a que se dedicou, da qual gostou e quis ser bom.
Talvez um dia o futuro como sempre incerto seja no entanto um espelho não repetitivo, mas uma imagem do passado, da alegria, do esquecimento eterno que é ser jovem e apenas olhar para os grandes como protectores.

a eles...

Frequentemente...


...sentava-me no café do vizinho com uma pedra amarelada ou já cinzenta de tantos anos a servir de balcão e pedia por favor, sempre por favor mesmo sendo um serviço pago, uma imperial, um chá, um whisky, um café duplo, dependendo do dia, da hora, da vontade e do tempo. Digo frequentemente porque parece mal dizer todos os dias, não sou cliente habitual, muito menos me tratam por tu e me acolhem com um dos filhos ou dos sobrinhos. Sou mais um parente distante que por vezes aparece e por o fazer surge já na forma de receber um certo odor de saudade, uma pergunta acerca do tempo que passou, dos actos que decorreram entretanto.
Observava com carinho os cabelos mágicos da criatura que de certo não resultou do amor do proprietário e sua esposa, dois seres baixos e diria eu criados a pão e trabalho de enxada, duros de feições como os calhaus da serra, um sotaque de vs e bs trocados que enchiam o ar de palavras imperceptíveis e de um vernáculo sem carácter ofensivo que muitas vezes me faziam contorcer de dor e prazer perante tal drama da vida rústica na cidade moderna. Escolhia uma mesa ao acaso que variava de forma metódica para não demonstrar uma criatura de hábitos, imaginando sempre que se o fizesse um dia a policia ali a perguntar por mim, talvez por algum crime de paixão, algum artista mais atrevido que me tentasse levar os cabelos mágicos da moça. Então na minha cabeça, via dois senhores de roupa ligeira, ar sério a entrevistar um pai e uma mãe chorosos, apontando para a mesa do canto dizendo, sentava-se ali todos os dias às 10, lia um livro ou olhava em redor durante uma hora, saia para algum lado que não lhe sei a vida fora daqui e voltava depois das cinco para ficar até quando se lhe desse a vontade ficar, se soubesse teria servido veneno para os rato misturado com a bebida naquele dia. E seria assim na minha ideia romântica de ser perseguido por amor que eu cometeria a loucura do crime e destruiria uma série de vidas, só para poder sentir na pele a sensação por certo deliciosa do martírio.
Imaginava flores atiradas ao chão e rios de lágrimas, pedidos de casamento no meio da rua, bilhetinhos nas chávenas do chá dizendo és tão bonita palavras altas respondendo és tão parolo oh cota. E no entanto eu e ela na mesma escola quando pequenos, na mesma turma, ela lá à frente junto da professora com as amigas a fazer o que sabia tão bem fazer, portar-se bem, copiar pela esperta do lado e silenciosamente acabar o ciclo ao mesmo tempo que eu sem nunca ter estudado que a via muito bem sair após as aulas com um tipo qualquer em roupas sujas de cimento e tinta, fumando um cigarro achando-se estrela de cinema. Voltei para onde tinha nascido porque quem me fez nascer já não nesta casa nem neste mundo e assim assumi o meu lugar de patriarca à cabeça da mesa ordenando que a cadeira vazia ao meu lado direito arrumasse a roupa e a loiça, que a cadeira vazia ao meu lado esquerdo comesse tudo a até ao fim, mesmo sendo o jantar sopa de grão que me fazia querer arrancar o estômago à colherada ao invés do engolir colher após colher daquele caldo quente e odioso. Tinha-a voltado a descobrir por engano, entrando numa porta aberta ao lado de um janela enorme com um anúncio gigante de uma marca de tabaco à mistura com garrafas de aguardente nas quais a espessura da camada de pó atesta a antiguidade, os mesmos cabelos sem dúvida mas algo na cara menos alegre menos brilho, mas o motivo da minha paixão mantinha-se como sempre, a beleza grande e serena. Não a reconheci antes sair. Levava-a na cabeça por engano quando percebi que ela afinal ainda existia neste bairro. Nunca deveria ter saído como eu sai, não deve ter querido seguir para a França ou para o Luxemburgo com o namorado do cimento. E agora onde estaria ele?
Morava perto percebi rapidamente que a curiosidade estava a dar lugar a uma necessidade de a ver, seguia-lhe os gestos, adorava a forma como pousava o tabuleiro na mesa suja de café derramado, como suspirava frequentemente olhando para a rua, para o sol que nunca mais se afastava da rua e lhe dizia que estava na hora de ir embora, de voltar ao sitio de onde vinha todas as manhãs, e eu suspirando para que se o sol fugisse que a mão dela se estendesse para mim e a boca dela me dissesse vem, vamos juntos hoje cozinho para dois, sento-me à tua direita e não precisas de ordenar que limpe a loiça e arrume a roupa, não te faço a sopa que detestas e espero acordada que voltes do café depois do jantar, e deito-me junto de ti e tu tranquilo, sem pensar que vives sozinho. E eu não vivo sozinho, vivo numa cama com outra pessoa que teria de pedir para dormir no sofá, avisar para não fazer muito barulho porque a criança no quarto ao lado cheia de traumas porque filha de um lar destroçado.
Apagaria a luz e no dia seguinte a criança e a mãe desaparecidas, roupas, brinquedos, cheiros, tudo apagado e eu feliz junto dos cabelos, a respira-lo como se fossem ar, eu a abraça-los e eu na rua a vê-la com o tipo sujo com as mesmas manchas de cimento e eu perdido de ciúme e sem o meu ar para respirar, eu a passar por eles na rua estreita entre a minha casa e o café, eu de carro e eles a atravessar a passadeira, e na minha cabeça o policia a entrevistar os donos do café apontando para o canto observando com o canto do olho a cadeira mais afastada, perguntando acerca do álcool, do café, dos olhares, das manobras suspeitas. E promessas de veneno para ratos no próximo café, na próxima cerveja, e no entanto o que parecia um crime apenas uma distracção de momento, apenas a imaginação de dois senhores sérios vestidos com roupa ligeira a perguntar por mim, eu distraído julgando que o pé carregava no travão e quando dei por mim curvava a esquina, virava na próxima à esquerda como quem deseja seguir para os lados do rio, e nem notei se alguma nódoa de cimento no chão depois de passar.


sexta-feira, 13 de agosto de 2010

No princípio...

... era o verbo? Ou seria antes uma vontade enorme de mudar? Costumeira tradição de quem se sente sozinho e aborrecido por o estar. Sentia muitas vezes a dor profunda que era passar na rua e ver pessoas com as quais poderia falar e não falava, com pessoas com as quais queria viver e não vivia, sei lá, algo em mim se enche e se retorce em busca da satisfação que é a curiosidade. Como seria viver com o Sr. José Joaquim que encontrei ontem no metro? Buscar nele os hábitos, as roupas, entender o que faz o SR. J.J. ser diferente do Sr. R.J que lhe partilha o Joaquim do nome.
Percebem a minha insatisfação?

Claro que não percebem, assim como eu não vos percebo a vocês que por alguma forma me dizem que sim, me entendem a ânsia e a busca. Liguei à pouco para alguém, talvez não tenha ligado, enviei uma sms a pedir para poder ser escritor, deixar de fazer esta coisa que faço. Percorri alguns sítios por ai e vejo tanta gente dentro de uma pele que não lhe corresponde, tal como a minha não me quer corresponder. Uma bolsa de "pele", crie-se um ebay para troca de vidas, troco a tua vida pela minha, a minha pela de duas pessoas diferentes e aguardo que essa me diga exactamente a mesma coisa que a minha me diz hoje, és confuso e esquece lá se pensas que esta pele é melhor que a anterior, não é e apenas te fará sofrer de forma diferente.

Vícios de um ignorante português que um dia desejou correr o mundo e agora nada mais pensa senão em voltar para a sua casa, esquecer que algum dia soube onde ficava o aeroporto, esquecer que algum dia disse "eu vou". Houve dias em que disse sim e me arrependi, este um deles, devia ter dito não, esqueçam, ponham-me na linha do desemprego que não me importo, na violência do trabalho precário que me estou marimbando, eu pinto casas, eu arranjo portas, eu gosto de aprender, sei lá eu faço alguma coisa para poder chegar a casa antes das sete da tarde, ou que seja depois das sete da tarde, e vê-la a rir para mim, sentir o cheiro delicioso que sai da pele dela, dizer que se alguma vez eu longe dela eu nunca com mais ninguém, eu nunca com mais nada que não esse conforto imenso que se poderia uma vez chamar de amor, outra vez de dependência outras apenas de comodismo.

Ingrata cabeça que confunde comodismo e amor na mesma frase, e porque não dizer que o amor é cómodo e nos ajuda a sentir-nos seguros e tranquilos? Porque não dizer que apenas dizemos Amo-te porque não temos a coragem nem a paciência para aguardar que alguém nos diga primeiro que de nós sente amor, ou seja que não teve a paciência necessária para ganhar o jogo.

O princípio é simples e nunca foi o tal verbo do misticismo, o principio sempre foi a honestidade procurada em mim e nos outros.

Vou talvez ser honesto umas vezes por outras, apesar de tudo confesso que sempre fui demasiado mentiroso a escrever ficção, talvez defeito censuro-me no meu exagero dramático.

Talvez defeito...