quinta-feira, 24 de fevereiro de 2011

Hoje...

... deambulava pelo facebook e vi uma cara conhecida, uma moça que durante um tempo da minha vida achei bonita, ainda o é, mas que sentia vontade de convidar para sair, nunca o fiz, lembro-me que tinha uma pele branca muito branca, um cabelo louro liso pelos ombros e o que realmente me fascinava nela era a forma como a franja lhe caia pela cara deixando-a absolutamente adorável. Como dizia nunca a convidei para sair, nunca sequer falamos sem ser obrigado e bom dia e tem troco? Ela trabalhava num supermercado como caixa, pelos vistos ainda o faz, e hoje por acidente, por acaso apareceu uma foto na minha frente que eu reconheci, da qual não me lembrava já e cliquei no perfil, abri a informação e descobri que ela está numa relação com Bruno Henriques. Diabo pensei, chamo-me Bruno Henriques da Luz, podia ser eu... maravilhosas coincidências que a vida nos faz ver sem que nunca nos apercebamos delas. Será que ela alguma vez na vida saberá que antes deste Bruno houve outro que viu nela o encanto? Será que nós alguma vez saberemos quem de nós vê o encanto? Saberemos nós a que estamos destinados? Um nome? 

segunda-feira, 21 de fevereiro de 2011

Caminhava...

... a teu lado, por fora a minha mão na tua e nós seguindo por um caminho estranho de terra e folhas em que os espinhos pareciam atrair-se da nossa pele e nela deixavam rasgos. Havia um buraco, uma instabilidade dentro de mim que balouçava conforme balança a água do tanque da casa dos meus pais depois de nela saltarmos, saindo do seu limite.
Causava-me arrepios estar a teu lado, a felicidade misturada com a inquietação de não te saber, se feliz se alegre se contente, se eu na tua mente como tu na minha. Mentiras que insistia em dizer-me antes de dormir, durante o sono, durante o dia, a necessidade de dizer que te amo quando de facto não tu nem ninguém o meu amor. Não percebo o amor, nem como se sente, nem quando se sente. Percebo a solidão, percebo um prato na mesa da cozinha, ou na do restaurante. Percebo um lugar vazio ao meu lado no carro, no cinema. Talvez isso amor, perceber que a solidão mais forte que gostar de alguém, mais forte dizer que amor é o que se sente quando se sente a necessidade de uma companhia. Que és tu, podia ser outra qualquer, não interessava muito se bonita ou feia. Não interessava nada se a minha boca na tua pele, e a tua pele na minha, se o meu sexo no teu, não interessava nada se nessa altura eu sozinho novamente de olhos fechados a olhar uma paisagem, o mar ou um vale, o céu ou um rio, interessava a minha ausência de ti, para poder por um momento retomar a minha solidão e voltar a tua companhia ou a de qualquer outra e sentir-me seguro de mim.
E a pele novamente rasgada pelos espinhos da vegetação na berma da estrada, e eu novamente sozinho porque tu um pouco mais atrás. Na minha mente as nossas mãos ainda juntas, na minha mente tu sorrindo ao meu lado sem parar por uma meia presa nos espinhos. E na minha mente não eu olhando para trás percebendo que te fazia infeliz.

nota do autor: escreveria sobre o amor feliz se o encontrasse em mim, se o visse em mim, sobre a beleza da felicidade partilhada, mas apenas consigo ver felicidade quebrada por distâncias, por incompatibilidades. cada vez mais me julgo apaixonado por uma pessoa ideal, da qual não consigo ver erro porque neste momento essa pessoa apenas existe em letras, em sons, em imagens distantes, talvez por isso o meu cérebro dê voltas, e se canse de dar voltas, e se sinta exausto de dar voltas para sobreviver intacto ao amor, à falta de amor, ou à ausência do amor, que por vezes parece tão só solidão.

sábado, 5 de fevereiro de 2011

Uma porta...

...aberta, do outro lado luz, demasiada luz para que se conseguisse ver a banal parede de branco amarelado pela idade. Sentado na cadeira contemplava o que fazer com um pedaço de terra que ainda ia existindo no quintal. Solenemente irritado abanava a cabeça como se algo preso no seu interior, como se de lá não quisesse sair. A confusão instalara-se no momento em que tinha acordado e agora com a luz no seu auge apenas se sentia limitado no horizonte, não na estranheza e na clareza do pensamento que tentava sacudir para fora do crânio. Tinha suportado demasiado já de o que quer que seja para continuar a poder levantar-se, para poder novamente enfrentar o mundo lá fora, talvez uma aversão da luz forte de um sol tropical de meios dias tórridos e infinitamente lentos. Recordava o brilhante de umas escadas, o tom bonito da pele das pessoas que passavam por ele nesse dia em que viu o mais banal par de olhos castanhos que alguma vez poderia ter imaginado. E nesse dia em que apenas uns cabelos pretos como tantos outros por ai espalhados. Tinha saído cedo do trabalho, cruzado a rua, olhando para trás um homem num terraço a 3 ou 4 andares do chão, uma distância enorme para lhe distinguir as feições, pele morena, pele castanha de vendedor de bugigangas e relógios falsos, de encantador de serpentes e de revolucionários pacíficos, acenava com o braço direito levantado, acenava como se numa ilha deserta e o homem na rua o único meio de o salvar. Não sabia quem era, nunca o tinha visto e portanto do outro lado da rua o seu olhar desviou-se novamente para o caminho irregular do passeio, evitando pedras de calçada soltas, crianças que corriam e brincavam pela rua, adolescentes que tentavam vender cigarros aos estrangeiros, ele próprio um estrangeiro debaixo de um sol de fazendas de café e plantações de algodão. O cheiro inconfundível de água estagnada por todo lado, e a imaginação corria sempre para como teria sido quando esta rua ladeada de cadáveres mortos pela fome e pela escassez, quando apenas os cães por aqui brincavam, quando apenas a morte aqui vendia. Uma rápida e mórbida imagem da se livra em dois passos entrega-o para a rua em cruzamento à direita e a selva praguejada por mosquitos, o som das pássaros a desaparecer a cada passo, a cada estalar de ramo, o da frente a gritar emboscada, a metralhadora a abrir fogo e o da frente já sem gritar, apenas a abrir os braços para o céu e a permitir que o seu corpo estremeça a cada novo tiro, e eles no chão, procurando no chão um inimigo imaginário, nunca se apercebendo que o inimigo eles, que quem atirava em si próprio era o da frente, e que a granada não lançada para o meio da companhia, deixada cair pelo cabo, a visão de si enrolado num cobertor ouvindo os morteiros, ouvindo o zumbir de beija-flor dos helicópteros levantando apenas para se virarem e matarem toda a gente. O pensamento fê-lo suar de medo, entrou pela porta de um edifício com um ar importante e subiu as escadas, no topo entre tantos olhos aqueles banais olhos castanhos, aquele banal cabelo preto sem qualquer fantasia, sem qualquer novidade sorriram, apertou-lhe a mão, vinha para estar com ela, mal se conheciam, mal se tinham falado, mas por imposição das circunstâncias, ela ali com ele. Tinha-a conhecido anos antes num pequeno encontro de trabalho, tinha regressado agora para ficar. Depois de terminada a ocasião, entraram ambos para o carro dela e seguiram para casa, disse-lhe vamos, levo-te a casa, já é tarde. Ele acedeu, entrou e sentou-se no lugar do passageiro, passaram pela rua da guerra, pela rua dos cadáveres, passaram em frente do mar e uma lua grande reflectida na água fez com que lhe pedisse para parar o carro junto da areia, os dois sentados lado a lado a olhar uma água escura cortada pela prata brilhante do luar deixou-os calmos, ela perguntou-lhe acerca do dia, e ele respondeu-lhe que banal, ela respondeu-lhe acerca da ocasião onde os dois juntos e ele respondeu-lhe que sim. Sem compreender esqueceu-se de como se falava com alguém e deixou-se olhar para a paisagem. Odeio-te disse-lhe enquanto lhe colocava as mãos em volta do pescoço, detesto essa tua banalidade.
Neste momento a luz lá fora ainda mais forte, quase só branco, a porta que teimava em ficar aberta, que permanecia aberta desde a noite anterior evitava que se visse o branco amarelado pela idade da parede em frente, quase que lhe impedia de abrir os olhos, quase que o impedia de ver um homem sentado numa cadeira como se o observasse do alto, e o homem que não lhe respondia ao aceno virava a face para o outro lado, o seu ombro direito descaindo arrastou o resto do corpo para o chão como se de uma âncora. A luz forte do sol tórrido impedia que o vermelho em seu redor se deixasse ver, confundia-se com tudo, impedia-o de se ver ao longe como um pássaro deve ver os homens, como devia ver os mortos na rua, ou no mato, ou nesta casa.

ficção

O Por do Sol...

...de hoje dizia-me que não lhe sinto nada. É-me indiferente ver um sol a cair para um mar ou para um terra, talvez porque a insensibilidade do meu corpo comece a aparecer. A minha mente não mais disponível para coisas bonitas e maravilhosas ao mesmo tempo que no meu telefone uma voz aflita me pede para o ajudar que não quer perder a família e sair de onde está. 
Lá fora vozes estranhas falam sobre estranhas coisas em línguas estranhas e eu escondido de tudo isto sonho com o dia em que sai do trabalho e os tons de dourado e laranja, quem sabe de um por do sol como o de hoje, me empurraram para o meu carro, para minha casa, e enquanto a noite caia me levaram para a rua, me fizeram subir escadas, descer escadas, caminhar pela estrada, deambular até ter perdido a vista do que queria.
Talvez não deva culpar um astro rei, tão distante, tão amarelo pelas loucuras da minha cabeça, mas naquele dia alguém deveria ser culpado por alguma coisa e a minha cabeça sempre procurando dar a mim mesmo mais da culpa do que o corpo de facto merece. O corpo junto do meu agoniava-me, dava-me vómitos olhar e portanto a parede branca, o horror enquanto os corpos se mexiam, enquanto lá fora quase de madrugada e eu sem saber porque me dispunha a tal facto. O alívio quando tudo de facto terminado. E eu, descalço, largando o carro, as chaves de casa, tudo onde alguém quando me der pela falta possa encontrar, começando a andar pela rua onde vivo, sem ligar aos vidros que a povoam, andando pelas estradas de alcatrão até ao mar, olhando para ele na busca dos laranjas e amarelos e cores que me recuso a compreender a deixar que me enterneçam. Cores que nunca no meu coração, porque pedra, e cores que nunca contigo porque nunca as consegui assimilar, cores que não existiam já portanto, de ontem, mortas, e eu caminhando caminhando, passando pelo porto de cargas, pelo porto de pescas a caminho do norte, os meus pés em sangue, os meus pés dormentes já sem dor e eu caminhando caminhando, chegando ao cruzamento que existe na direita, passando entre cães vadios que vasculham o lixo procurando restos que não existem porque os restos alguém já os levou, apenas lixo de plástico lixo de papel, lixo de lixo que as pessoas não querem e os cães não comem, um berro de criança no meio da escuridão alaranjada pelas luzes do porto, dos petroleiros carregando líquidos negros para dentro das suas enormes barrigas sedentas. E eu batendo numa porta da qual desconheço já o local, eu desejando que a porta aberta, desejando que pudesse esquecer o vómito e a agonia do corpo na minha cama, da dor no meu sexo quando não mais se conseguiu suster, e apenas me deitar no mesmo cartão que tu, te abraçar devagar e dizer que se alguma vez poderei ser feliz, será o dia em que compreenda um por do sol, que ele me fascine, até lá eu enterrado no desperdício de uma vida vazia, no meio do lixo, no meio da miséria doente e putrefacta de quem não pode ou não quer mais do que têm, como eu tenho e não ambiciono, como eu tinha e não queria.

ficção