sábado, 27 de novembro de 2010

Lá fora...

... uma chuva grossa cai esporadicamente. Em África chove grosso, a água cai e molha a terra vermelha, a areia amarela de ouro das praias e liberta um cheiro fresco de vida. Não tanto como em Portugal que a terra liberta um cheiro bom mas suave, um cheiro de terra, mas não a mesma pujança, não o mesmo sentimento. Aqui sente-se como se ela fosse renovar toda a criação, que vem, e de facto o faz, lavar as ruas e as terras. É algo fora de série que me deixa espantado como as águas arrastam tudo o que apanham e acumulam o lixo e a terra nas esquinas mais inesperadas da cidade. Sorrio quando a oiço porque por momentos me faz lembra de onde venho e para onde quero regressar, me faz esquecer do eterno verão que por aqui sempre existe, quer seja de facto verão quer seja inverno, que não existe, apenas 25 graus em vez de 35. Vagamente regresso aos dias em que lia   Lobo Antunes e ansiava ver o planalto do Huambo, de encontrar o rio onde os crocodilos mataram os enviados do estado novo um a um, de perceber onde estavam as cubatas e os sobas e os linguajares do kibundo. Ainda não houve tempo para o planalto do Huambo, e para os crocodilos já os procurei mas demasiado perto da cidade para ainda haver em quantidade suficiente para os ver. Mas haverá ainda, se tudo correr bem, uns anos pela frente, talvez ainda se me entranhe na pele este pais e eu consiga ver muito mais do que a miséria que por aqui corre, e talvez um dia eu diga, sentado no café com os outros idosos de circunstância que por ali estão, "quem me dera voltar para Angola". Digo talvez porque aqui muitas batalhas, muitas dores de saudade e de solidão, e talvez de Angola apenas reste isso, o rancor de uma relação que nos levou tudo, da separação dos que contam. Fazemos coisas impressionantes, todos os dias corremos contra um mar de contrariedades, de faltas desesperantes da peça mais pequena que não existe aqui e sem a qual a máquina não pode trabalhar. E eu engulo em seco, guardo o berro dentro de mim bem guardado, olho para a parede e retomo tranquilamente o meu trabalho enquanto desejo que um dia de chuva se torne em dias de chuva e que a chuva grossa lave todos os meus problemas, todos os problemas deste pais. Gostava de cá regressar quando de facto liberdade, quando de facto evolução outra que não evolução de betão importada.

domingo, 21 de novembro de 2010

Fugia...

...contigo para a china, mesmo que não quisesses ou gostasses, mesmo que por um segundo eu e tu juntos só por estar e nunca mais perto. Fugia contigo para a China apenas pela excitação de o fazer, pelo pontapé dado na dura realidade de todo o dia, toda a semana, todo o mês, todo o ano. E era simples embalar uma roupa, juntar um dinheiro, comprar uns bilhetes de avião e lá íamos nós durante nove horas sentado um ao lado do outro, extasiados com medo, sem saber o que dizer. Eu olharia para ti e deslumbraria-me com a tua pele, com a tua presença, com o teu cabelo ali junto de mim. Procurava o teu cheiro e ele por momentos deixando-me inconsciente do que fazia contigo, a minha mão a procurar a tua, e talvez um pequeno passo para de seguida um beijo, um pequeno conforto da tua cabeça no meu ombro e o meu ar respirado através do teu cabelo. Uma caricia lenta na orelha mais próxima, um beijo de satisfação, de protecção dizendo eu estou aqui, nunca te vai acontecer nada de mal sem que eu esteja por perto para te ajudar, para te amar. Aprenderíamos nesse avião o que cada um é, dirias coisas acerca de ti, eu acerca de mim, eu lentamente me perderia nos teus olhos e tu lentamente na minha humilde forma de ser e de amar. Pensarias que os sentimentos eram bons, que vale a pena, e eu perceberia que os meus instintos estão correctos. Um beijo suave na tua cara, um beijo suave na tua boca, a mão apertada na minha, apertando a minha, e eu, na minha mente apagando a ideia de que não existe no mundo quem largue tudo e vá comigo para a China porque tu ali ao meu lado.

domingo, 7 de novembro de 2010

Ontem...

.... sai do trabalho e enquanto me torturava mentalmente acerca das impossibilidades de me dividir em 3 e tomar conta de todo o trabalho que ocorre na obra da qual eu sou responsável, ou lá o que quer que seja que eu sou nesta empresa, dizem eles big project manager, digou eu big project's disaster manager e equanto virava e revirava o meu pequeno suzuky jimny azul nas ruas desta pequena e caótica cidade quando de súbito me vejo deparado com um tipo, possivelmente estrangeiro a julgar pela cor e roupa, a pedalar pela mesma rua a que eu estava a chegar, no seu monociclo. A tristeza e frustração continuaram em mim, mas fui obrigado a levar um sorriso até a casa devido a este senhor que denotava capacidades circenses ao conduzir tal coisa por uma estrada bastante esburacada.
Por vezes vejo-me tão triste e tão sem vontade de ficar aqui, ou nalgum lado, de ter pessoas em meu redor pedindo, exigindo, querendo atenção que eu não quero dar, que eu não tenho para dar. Preocupo-me demais com tudo e julgo que todos merecem igual atenção e igual tratamento e igual dedicação da minha parte e acabou por deixar nesse limbo algumas pessoas que importam mais. Sinto saudades, falta das pessoas que gosto. Esta semana surgiu ainda mais forte. E eu aqui, Luanda, sem saber o que sinto, o que quero, o que fazer porque as coisas não correm bem e o esforço de semanas demora 15 minutos a destruir. e eu não sei, e o titulo deste post hoje talvez apenas surja no fim, eu não sei, não sei quem me gosta, quem me ama, quem me quer, que me admira, quem me detesta, quem me telefona sem segundas intenções, quem me fará feliz. Eu simplesmente não sei...