... uma chuva grossa cai esporadicamente. Em África chove grosso, a água cai e molha a terra vermelha, a areia amarela de ouro das praias e liberta um cheiro fresco de vida. Não tanto como em Portugal que a terra liberta um cheiro bom mas suave, um cheiro de terra, mas não a mesma pujança, não o mesmo sentimento. Aqui sente-se como se ela fosse renovar toda a criação, que vem, e de facto o faz, lavar as ruas e as terras. É algo fora de série que me deixa espantado como as águas arrastam tudo o que apanham e acumulam o lixo e a terra nas esquinas mais inesperadas da cidade. Sorrio quando a oiço porque por momentos me faz lembra de onde venho e para onde quero regressar, me faz esquecer do eterno verão que por aqui sempre existe, quer seja de facto verão quer seja inverno, que não existe, apenas 25 graus em vez de 35. Vagamente regresso aos dias em que lia Lobo Antunes e ansiava ver o planalto do Huambo, de encontrar o rio onde os crocodilos mataram os enviados do estado novo um a um, de perceber onde estavam as cubatas e os sobas e os linguajares do kibundo. Ainda não houve tempo para o planalto do Huambo, e para os crocodilos já os procurei mas demasiado perto da cidade para ainda haver em quantidade suficiente para os ver. Mas haverá ainda, se tudo correr bem, uns anos pela frente, talvez ainda se me entranhe na pele este pais e eu consiga ver muito mais do que a miséria que por aqui corre, e talvez um dia eu diga, sentado no café com os outros idosos de circunstância que por ali estão, "quem me dera voltar para Angola". Digo talvez porque aqui muitas batalhas, muitas dores de saudade e de solidão, e talvez de Angola apenas reste isso, o rancor de uma relação que nos levou tudo, da separação dos que contam. Fazemos coisas impressionantes, todos os dias corremos contra um mar de contrariedades, de faltas desesperantes da peça mais pequena que não existe aqui e sem a qual a máquina não pode trabalhar. E eu engulo em seco, guardo o berro dentro de mim bem guardado, olho para a parede e retomo tranquilamente o meu trabalho enquanto desejo que um dia de chuva se torne em dias de chuva e que a chuva grossa lave todos os meus problemas, todos os problemas deste pais. Gostava de cá regressar quando de facto liberdade, quando de facto evolução outra que não evolução de betão importada.
Sem comentários:
Enviar um comentário