sábado, 5 de fevereiro de 2011

O Por do Sol...

...de hoje dizia-me que não lhe sinto nada. É-me indiferente ver um sol a cair para um mar ou para um terra, talvez porque a insensibilidade do meu corpo comece a aparecer. A minha mente não mais disponível para coisas bonitas e maravilhosas ao mesmo tempo que no meu telefone uma voz aflita me pede para o ajudar que não quer perder a família e sair de onde está. 
Lá fora vozes estranhas falam sobre estranhas coisas em línguas estranhas e eu escondido de tudo isto sonho com o dia em que sai do trabalho e os tons de dourado e laranja, quem sabe de um por do sol como o de hoje, me empurraram para o meu carro, para minha casa, e enquanto a noite caia me levaram para a rua, me fizeram subir escadas, descer escadas, caminhar pela estrada, deambular até ter perdido a vista do que queria.
Talvez não deva culpar um astro rei, tão distante, tão amarelo pelas loucuras da minha cabeça, mas naquele dia alguém deveria ser culpado por alguma coisa e a minha cabeça sempre procurando dar a mim mesmo mais da culpa do que o corpo de facto merece. O corpo junto do meu agoniava-me, dava-me vómitos olhar e portanto a parede branca, o horror enquanto os corpos se mexiam, enquanto lá fora quase de madrugada e eu sem saber porque me dispunha a tal facto. O alívio quando tudo de facto terminado. E eu, descalço, largando o carro, as chaves de casa, tudo onde alguém quando me der pela falta possa encontrar, começando a andar pela rua onde vivo, sem ligar aos vidros que a povoam, andando pelas estradas de alcatrão até ao mar, olhando para ele na busca dos laranjas e amarelos e cores que me recuso a compreender a deixar que me enterneçam. Cores que nunca no meu coração, porque pedra, e cores que nunca contigo porque nunca as consegui assimilar, cores que não existiam já portanto, de ontem, mortas, e eu caminhando caminhando, passando pelo porto de cargas, pelo porto de pescas a caminho do norte, os meus pés em sangue, os meus pés dormentes já sem dor e eu caminhando caminhando, chegando ao cruzamento que existe na direita, passando entre cães vadios que vasculham o lixo procurando restos que não existem porque os restos alguém já os levou, apenas lixo de plástico lixo de papel, lixo de lixo que as pessoas não querem e os cães não comem, um berro de criança no meio da escuridão alaranjada pelas luzes do porto, dos petroleiros carregando líquidos negros para dentro das suas enormes barrigas sedentas. E eu batendo numa porta da qual desconheço já o local, eu desejando que a porta aberta, desejando que pudesse esquecer o vómito e a agonia do corpo na minha cama, da dor no meu sexo quando não mais se conseguiu suster, e apenas me deitar no mesmo cartão que tu, te abraçar devagar e dizer que se alguma vez poderei ser feliz, será o dia em que compreenda um por do sol, que ele me fascine, até lá eu enterrado no desperdício de uma vida vazia, no meio do lixo, no meio da miséria doente e putrefacta de quem não pode ou não quer mais do que têm, como eu tenho e não ambiciono, como eu tinha e não queria.

ficção 

1 comentário: