quarta-feira, 25 de agosto de 2010

Respiro...

...e em mim este ar rarefeito foge para outros sítios, respiro novamente e o ar foge. Por vezes dava por mim parado a olhar sem razão algumas pessoas que passavam lá fora enquanto os outros em meu redor concentrados nos papéis e no computador, achava estranho porque razão uma empresa precisava de um edifício tão grande para se sediar e depois porque razão em volta meia dúzia de casas baixas, alguns terrenos vazios e uma escola. Um pouco mais à frente mais dois ou três, atrás uns cinco ou sei, mas todos mais baixos que este, e porque seria, nunca tive coragem de perguntar. Dizia que observava as pessoas que passavam lá fora, já pequenas pela distância, da escola conseguia por vezes ver crianças a correr sem nexo de um lado para o outro, dada a altura já uma certa extensão do rio, um pouco da Costa da Caparica e naqueles dias de sorte um navio de cruzeiro a subir ou a descer o rio em direcção a um qualquer paraíso tropical que insistem em colocar em grandes cartazes ali junto da entrada da autoestrada, que me vão mostrando quanto de mundo ainda me falta conhecer, eu que uma vez mais novo, ainda na escola, fui visitar o Cabo de Sagres e perguntei à professora de o mundo acabava ali, ela rindo perante o disparate disse-me que não, que ali um grande rio que unia dois mares, um pequeno e um muito grande e que depois do rio África, Marrocos, como se estivéssemos em Lisboa e víssemos a Caparica, ou melhor a Trafaria como eu daqui consigo ver. Bons tempos em que na minha cabeça um mundo de desconhecimento e de cegueira, onde tudo espantoso e imenso, tudo gigante perante o meu tamanho. As escadas do autocarro imensas, o corrimão onde dezenas de mãos se agarravam tão acima da minha mão, eu a agarrar-me ao banco, imaginando que no próximo cruzamento de avenidas, caído no chão porque um choque, porque uma travagem, e chegando a casa, como funciona o travão do autocarro pai, e nenhuma palavra porque o jogo na televisão e também ele tão imenso e tão distante a boca dele dos meus ouvidos, talvez por isso não se perceba a resposta que deu, talvez por isso não se consiga ver os movimentos da sua boca. Um dia mais tarde percebi o que dizia, comecei a ouvi-lo melhor, mas não naquela altura. Entrava em casa e comia connosco, silencioso pensando no trabalho, vinha de gravata e chapéu, gabardina no inverno e realmente nunca lhe percebi o ofício excepto que o fazia na baixa da cidade numas janelas brancas ladeadas de paredes amarelas, uma porta em madeira que anunciava imponência. Pensei que talvez eu ali um dia e no entanto um pouco mais longe onde os autocarros deixam de ser amarelos e ganham cores diferentes, menos naturais para o que são, e têm um aspecto de provincial que me faz pensar que eu a caminho do campo, da casa de meus avós, cheio de estradas sinuosas e caminhos longos, hoje em dia uma hora, antigamente três, malas, encomendas para lá, produtos da terra para cá, agora tudo melhor, não há necessidade da avó quando se tem o supermercado mesmo à beirinha. Pensava na simplicidade de viver assim, e por vezes desiludido com a necessidade de ter que carimbar mais uma factura suspirava, puxava o ar que me fugia para todo o meu corpo excepto para onde devia e libertava-o abanando a cabeça num negar da própria necessidade de voltar a ser inocente.

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