...velha que sentada num banco de jardim ou num autocarro tem o mesmo olhar vago e distante, já os vi de diversas cores, diversas nacionalidades e no entanto em todos o mesmo olhar vago o mesmos ombros descaídos. Por aqui são tratados com o respeito que a idade lhes concede, caminhando por ai com o lábio inferior a segurar um cigarro enquanto coxeiam ou apenas andam devagar. Sinto uma ternura exagerada por esta gente que um dia foi como eu olhando os que passavam e lembro-me dos meus velhos, dos meus avós, duas senhoras uma cheia de força que criou filhos e filhas cultivou terra e a muita vontade criou netos e netas, criou-me a mim durante algum tempo e eu a beijo cada vez que regresso a casa, lembro-me da outra doce e pequena, sempre com um abraço apertado para cada neto que também ajudou a criar, que também viveram na casa dela e cresceram longe dos pais, deles os homens havia um duro e moldado pelo trabalho ingrato que a sua vida lhe deu, partia pedras numa pedreira e era bruto, não demonstrava que sentia nem que sofria por nós, morreu sozinho, numa noite rodeado de gente com a mesma idade dele, sem força já para ser o que era e da ultima vez que o vi senti tanta vontade de chorar, tanta vontade de ir ter com ele e leva-lo a passear, lembro-me do outro que uma vez ficou 2 anos dentro de casa sem sair e eu a compreendê-lo e a achar nele tanto que achava em mim, parava para pensar com a mão no queixo e o cotovelo apoiado na mão que lhe sobrava, usava calças gastas e um cordão a segura-las. Podia dizer-se que era um mendigo, que andava andava andava, ia para a praia, tentava cultivar coisas mas nunca foi grande agricultor. Vejo-me tanto nele, naquela loucura pacifica, naqueles olhos onde tanta curiosidade, onde tanto clamar de atenção, e toda a gente gostava dele e reclamava que era chato e no entanto não tanto isso, talvez um desespero de atenção que lhe faltava. Esta a minha gente velha, de onde eu vim e a quem herdei os méritos e as loucuras, de quem herdei os humores e os jeitos. Esta gente velha da qual hoje escrevo e reconheço a profundidade da existência que até agora me passou ao lado, me custou a perceber que apesar de já não haver neles a energia que eu sinto, há neles todo de mim, todo o meu resultado derivado deles, e por consequência também este texto deles, e da cabeça deles que me estarão a ver algures onde quer que ainda existam.
Sinto nostalgia e saudade dos tempos em que corria de um lado para o outro na casa de uns ou de outros, em que brincava sozinho por ali e a minha mãe me telefonava do trabalho a perguntar se estava tudo bem, de ver a minha irmã chegar a casa com uns livros grandes que eu julgava nunca vir a perceber, e percebi mana, já sei quanto vale o pi, já sei como se usa. E cresci, e além de ter aprendido o valor do pi, aprendi a demonstrar o valor do pi, aprendi a fazer contas complicadas e grandes, aprendi a fazer fundações, faço fundações como os meus velhos fizeram fundações para a minha vida e para a vida dos que de mim haverão de vir, e um dia quem sabe alguém que se identifique comigo, que descenda de mim diga nalgum lado, escreva nalgum lado ou reconheça nalgum lado que havia um velho dele que infelizmente morreu sozinho, que viveu ao lado da mulher que sempre amou e lhe dedicou todas as suas obras e devaneios de escrita que fazia nos tempos livres, enquanto realizava a profissão a que se dedicou, da qual gostou e quis ser bom.
Talvez um dia o futuro como sempre incerto seja no entanto um espelho não repetitivo, mas uma imagem do passado, da alegria, do esquecimento eterno que é ser jovem e apenas olhar para os grandes como protectores.
a eles...
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