domingo, 8 de maio de 2011

Marcas...

... profundas como desfiladeiros, longas como rios. Marcas absolutamente torturantes que parecem nunca lá estar e depressa se manifestam. Um desvio, uma curva à esquerda que devia ter sido para a direita e as imagens, as ideias, as dores do acontecimento, o ressurgir de uma cicatriz que se pensava curada e já sem expressão.
Lembro o dia, lembro a noite, lembro tudo, lembro nada da forma como foi e julgo não ter sido, da forma como deveria ter sido. Lembro que havia um sol, ou uma lua, havia um carro, ou talvez a pé, lembro que talvez eu apenas no meio de lado nenhum a olhar um mar ou um monte ou uma parede. Lembro-me de como será a vida depois de ti, ou depois de mim, lembro-me de quando era velho e me sentava no banco em frente de nossa casa com a sombra das paredes brancas a trazer-me o sono. Lembro-me de como sorrateiramente sentia a dormência nos pés, nas pernas depois nas mãos e ela subia até ao meu coração, de como o meu peito deixou de ser encher e de como o sonho invadiu o meu dia. Lembro-me de quando me dizias para por o chapéu porque hoje muito sol, e que não queres que eu fique doente porque depois uma carga de trabalhos. Lembro-me de como me batias porque não conseguia já mexer-me e tu precisavas de lavar a casa, limpar a sala onde uma televisão demasiado alta emitia palavras que há muito deixamos de ouvir. Lembro-me da tua beleza a desaparecer de dia para dia, dos teus cabelos sem a vida de outrora. Lembro-me de como um dia te vi, e te reconheci e te amei, lembro-me de toda a felicidade que me deste, lembro-me da cara sem expressão quando te sentaste para almoçar comigo, preocupada com a reforma que não chegava e ela no correio desde ontem, não a tirei ainda lá está, preocupada com o telhado que está partido, com a filha que não visita, com o filho que não arranja emprego. Lembro-me de mim alheio a tudo isto porque eu nunca de me preocupar com o destino, porque traçado. Lembro-me da ultima vez que te vi meu amor em que a tua cara serena sem preocupação, o teu cabelo branco que ainda mantinha o ondular, lembro-me da ultima vez que te vi meu amor e as mil marcas no meu corpo, resultado de torturas sem limite de uma vida passada, todas elas unidas em dor me fizeram sair dos olhos lágrimas para justificar a tua ausência.

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